quinta-feira, abril 27, 2006

Ferida

Ferida de arma
desconhecida
perita, fina,
vem sem erro essa lâmina
mas vem sem motivo

Ou então o motivo
é exatamente o não-motivo
e aí está a graça
do tempo da ferida
assim é que ele
é mais divertida

Se é que pode ser assim
uma ferida

Ou meus pais
não se separam,
ou antes,
foi a morte
eu nunca tive religião,
ou melhor,
tive todas
hoje tenho uma mescla
feita de medo e máscula
uma mescla inferior
feita de morte

E vou andando atrás
de outras feridas
a dos homens
e também a dos cães,
sempre vivas
merda é que não consegui
me esconder das rimas
mesmo quando somente
soantes as putas
se empilhavam
e tapam a fenda
pois é sábio que elas
têm que respirar
as feridas
é sábio que desde
a primeira (essa do sexo)
elas precisam de ar
para manter-se vivas
e feridas.
E acabadas.

Há feridas porém que
nasceram fechadas.

Renata Pallottini

quinta-feira, abril 20, 2006

mentirosa

comecei por uma careta disfarçada
e por aí fui
esfregando bem os olhos vermelhos
fazendo força para manter-me ereta
escondendo uma ânsia de vômito inventada
no final ela estava absolutamente certa
eu nos enganava

Bárbara Nunes (2006)

segunda-feira, abril 17, 2006

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência,
essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade