sexta-feira, fevereiro 17, 2006

SEMPRE QUE CHOVE

Sempre que chove
Tudo faz tanto tempo...
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!

Mario Quintana
Preparativos de Viagem

Cenário

Sobre uma mesa está o mapa
Dois toques
Passa o tempo

De um canto da sala surge um homem preocupado
As linhas do mapa lhe soam apressadas
E não têm porque
O homem tem um charuto
Que não fuma

Olha o mapa
Os pontos cardeais não apontam direções
Destoam a realidade
O mapa destina-se a quê? pergunta-se
Vai ao fim da sala
Uma vitrine de coisas passeantes lá fora
Que não representam nada

Tampouco

Bárbara Nunes (2004)

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Diálogos?

Você tinha me dito alguma coisa a respeito do... Você nem ao menos se lembra. Não, nada disso. Eu lembro muito bem, só me fugiu um instante. Não. Esquece. Não vale à pena. Não há nada a ser entendido. Você nunca me espera para nada. Não me dá tempo. Preciso estar pronto e preparado. Sempre. Pronto e preparado, não é? É como a gente aquele dia na praia. Disso você se lembra. Não lembra? Você esqueceu. Foi por querer. Foi silepse. Você sempre fala que é silepse. Acho que silepse é, na verdade, o seu alter-ego. Há há há. Valeu. Walter é foda. Eu não tenho palavras para descrever tudo o que a gente anda vivendo. Toda essa merda que a gente anda vivendo, você quer dizer? Eu com as minhas complicações e você cheia delas. Não tinha mesmo como dar certo. Você tem que entender. Não é só você que tem essas certas necessidades. Ela? Por que não? Quero tudo ao mesmo tempo. Só pra mim. Você é egoísta. Extremamente. Não nego. Estou fazendo um esforço grande para controlar. Para controlar minha vontade de saciar todos os desejos ao mesmo tempo. Não quero fumar maconha, mas vou. Sem você. Porque você me atrapalha. Deixa que pelo menos eu acenda teu cigarro. Você é a minha tentação de não pensar em nada, de pensar em mim sem pensar em nada. Você é apenas aquela desculpa certa para meu descomprometimento com todo o resto. É nisto que reside este vício. É nisto que reside o teu amor? Não sei. Talvez. É uma possibilidade. Eu ando pensando bastante nela. Uma busca por um conforto imóvel. Gostar da minha companhia não deveria ser o suficiente pra gente ficar junto. Não acredito no seu amor tampouco. Você pretende demais. Pretende suprimir-me de todas as minhas necessidades. Pretende dar conta e ainda me tornar eternamente apaixonada por ti. Pretende ser único e exato. O melhor. Você não me ama, você está competindo. Com quem? Não me importa. Acho que não te importaria tampouco. Você notou aqueles sujeitos estranhos entrando na festa? Observaram tudo, todo mundo, e foram embora. Não mude de assunto. Não mudei. Você não quer nada? Um trago? Meu estômago? Você é do tipo que depois de um pouco pede o meu estômago. O pior é que, se duvidar, eu dou mesmo. Você se faz de mártir o tempo todo. É um mártir dos sentimentalismos baratos. Estou convencido de que você não me ama. Eu também. Boa noite. Boa noite.

Bárbara Nunes (2005)