quarta-feira, março 19, 2008

Natureza

É o céu uma abóbada aureolada
Rodeada de gases venenosos
Radiantes planetas luminosos
Gravidade na cósmica camada
Galáxia também hidrogenada
Como é lindo o espaço azul-turquesa
E o sol fulgurante tocha acesa
Flamejando sem pausa e sem escala
Quem de nós pensaria apagá-la
Só o santo doutor da natureza
De tais obras, o homem e a mulher
São antigos e ricos patrimônios
Geram corpos em forma de hormônios
Criam seres sem dúvida sequer
O homem após esse mister
Perpetua a espécie com certeza
A mulher carinhosa e indefesa
Dá à luz uma vida, novo brilho
Nove meses no ventre aloja o filho
Pelo santo poder sã natureza
O peixe é bastante diferente
Ninguém pode entender como é seu gênio
Reservas porções de oxigênio
Mutações para o meio ambiente
Tem mais cartilagem resistente
Habitando na orla ou profundeza
Devora outros peixes pra despesa
E tem época do acasalamento
revestido de escamas esse elemento
Com a força da santa natureza
O poroquê ou peixe-elétrico é um tipo genuíno
Habitante dos rios e águas pretas
Com ele possui certas plaquetas
Que o dotam de um mecanismo fino
Com tal cartilagem esse ladino
Faz contato com muita ligeireza
Quem tocá-lo padece de surpresa
Descarga mortífera absoluta
Sua auto voltagem eletrocuta
Com os fios da santa natureza
Tartaruga gostosa, feia e mansa
Habitante dos rios e oceanos
Chegar aos quatrocentos anos
Pra ela é rotina, é confiança
Guarda ovos na areia e nen se cansa
De por eles zelar como defesa
Nascido os filhotes com presteza
Nas águas revoltas já se jogam
Por instinto da raça não se afogam
E pelo santo poder da natureza
O canário é pássaro cantor
Diferente de garça e pelicano
Papagaio, arara e tucano
Todos eles com majestosa cor
O gavião é um tipo caçador
E columbiforme é a burguesa
O aquático flamingo é da represa
A águia rapace agigantada
Eis o mundo das aves a passarada
Quanto é grande, poderosa e bela a natureza
A gazela, o antílope e o impala
A zebra e o alce felizardo
Não habitam em comum com o leopardo
O leão e o tigre-de-bengala
O macaco faz tudo mas não fala
Por atraso da espécie, por franqueza
Tem o búfalo aspecto de grandeza
O boi manso e o puma tão valente
Cada um de uma espécie diferente
Tudo isso é obra da natureza
Acho também interessante
O réptil de aspecto esquisito
O pequeno tamanho do mosquito
A tromba prênsil do elefante
A saliva incolor do ruminante
A mosca nociva e indefesa
A cobra que ataca de surpresa
Aplicar o veneno é seu mister
De uma vez mata trinta se puder
Mas isso é coisa da natureza
No nordeste há quem diga que o corão
Possui certos poderes encantados
Através de fenômenos variados
Prevê a mudança de estação
De fato no auge do verão
Ele entoa seu cântico de tristeza
De repente um milagre, uma surpresa
Cai a chuva benéfica e divina
Quem lhe diz, quem lhe mostra, quem lhe ensina?
Só pode ser o autor da natureza
Quem é que não sabe que o morcego
Com o rato bastante se parece
Nas cavernas escuras sobe e desce
Sugar sangue dos outros é seu emprego
Às noites escuras tem apego
Asqueroso ele é tenho certeza
Tem na vista sintoma de fraqueza
Porém o seu ouvido é muito fino
E um sonar aparelho pequenino
Que lhe deu o autor da natureza
Admiro a formiga pequenina
Fidalga inimiga da lavoura
No trabalho aplicado professora
Um exemplo de pura disciplina
Através das antenas se combina
Nos celeiros alheios faz limpeza
Formigueiro é a sua fortaleza
Onde cada uma delas tem emprego
Uma entra outra sai não tem sossego
Isso é coisa da santa natureza
A aranha pequena, tão arguta
De finíssimos fios faz a teia
Nesse mundo almoça, janta e ceia
É ali que passeia, vive e luta
Labirinto intrincado ela executa
Seu trabalho é bordado em qualquer mesa
Quem pensar destruir-lhe a fortaleza
Perderá de uma vez toda a esperança
Sua rede é autêntica segurança
Operária das mãos da natureza
A planta firmada no junquilho
Begônia, tulipa, margarida
As pedras riquíssimas da jazida
Com a cor, o valor, a luz, o brilho
A prata e o ouro cor de milho
O brilhante, a opala e a turquesa
A pérola das jóias da princesa
É difícil, valiosíssima e até
Alguém pensa ser vidro mas não é
É um milagre da santa natureza
O inseto do sono tsé-tsé
As flores gentis com seus narcóticos
As ervas que dão antibióticos
A mudança constante da maré
A feiúra real do caboréno pavão é enorme a boniteza
Tem o lince visão e agudeza
E o cachorro finíssima audição
Vigilante mal pago do patrão
Isso é coisa da santa natureza?
A cigarra cantante dialoga
Através do seu canto intermitente
De inverno a verão canta contente
E a sua canção não sai da voga
Qualquer árvore é a sua sinagoga
Não procura comida pra despesa
Sua música sinônimo de tristeza
Patativa da seca é o seu nome
Se deixar de cantar morre de fome
Mas isso a gente sabe que é da natureza

Xangai

domingo, março 16, 2008

A lembrança não era mais do que uns cabelos embaralhados pelo vento.
Mesmo assim doía.
Não tinha muita vontade de começar.
Mas o dia correria pra frente
com ou sem ela.
E assim para sempre.
É assim que funciona.
Ainda bem.

Ao levantar-se sentiu um odor ocre.
Era ainda resquício do sonho.
Sentiu-se um cachorro ao levantar-se e dar de cara com sua maneira de espreguiçar. Sacudia. Abanava o rabo.
Pra comprovar a teoria latiu
AU!

Sacudir-se era extremamente necessário.
Lembrou dos relatórios.
Inventava relatórios para passar o dia mais rápido.
Fazia o relatório do que fazia.
Vivia um ritmo imposto por uma burocracia absurda
Que lhe tirava o controle
Era uma perda sado-masoquista.

Notou os cabelos que embaralhavam a escova de dentes
de frente para o espelho
ouviu um barulho forte vindo da janela. Pensou ser um grito.
Lembrou-se de ter jogado o vaso com flores mortas
pela janela no dia anterior.
Riu-se de si. Era esperta. Espantosamente esperta.
Esqueceu-se de tudo e pegou o dinheiro do metrô.

Saiu de casa pensando, com firmeza: hoje troco os lençóis da cama.

Lembrou de Clarisse.

A vida tem seus momentos.

Bárbara Nunes (2004)

sábado, março 15, 2008

O Agregado

Quem véve no luxo, somente gozando
Dinhêro, gastando sem mágua e sem dô,
Não sabe, nem pensa e também não conhece
O quanto padece quem mora a favô.

Meu Deus! Cumo é duro se uvi o lamento,
O grande trumento do triste agregado!
Osente das coisa mais boa da vida,
De rôpa rompida, sem cobre, coitado!

Os fio dizendo: - Papai, tou com fome!
E o pobre desse home a chorá como lôco,
Oiando a famia, tão magra e tão fraca,
Na véia barraca de páia de côco.

Promode armoçá, é perciso premêro
Corrê o dia intêro, sadio ou doente,
Só acha consôlo, na sorte tão crua,
Nos bêjo da sua muié paciente.

Acorda bem cedo e do frio agasaio
Sai para o trabaio, de foice ou de enxada;
Assim padecendo crué abandono
Na roça do dono da casa caiada.

Não crê nas premessa do rico opulento,
No seu sofrimento só pensa em Jesus,
Rogrando e pedindo pra tê piedade,
Levando a metade do pêso da cruz.

As suas criança, pra quem tudo farta,
Não brinca, não sarta, não tem alegria,
Enquanto pinota na casa caiada
Feliz meninada, rebusta e sadia.

Não vai à cidade, só véve loitando,
Limpando ou brocando, socado na mata.
Ninguém lhe conhece, nem sabe seu nome,
Se acanha com os home que bota gruvata.

Se às vêz ele fica parado, escutando
Arguém conversando, falando de guerra,
Cochicha uma reza, baixinho, em segredo,
Tremendo com medo dos grandes da terra.

Assim ele véve, do mundo esquecido,
Com fome e despido, a chorá cumo lôco,
Com sua famia tão magra e tão fraca,
Na véia barraca de páia de côco.


Patativa do Assaré