1. Leitor:
Está fundado o Desvairismo.
2. Este prefácio, apesar de interessante, inútil.
3. Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos terão prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.
15. Todo autor acredita na valia do que escreve. Si mostra é por vaidade. Si não mostra é por vaidade também.
21. “O vento senta no ombro das tuas velas!” Shakespeare. Homero já escrevera que a terra mugia debaixo dos pés de homens a cavalos. Mas você deve saber que há milhões de exageros na obra dos mestres.
23. Já raciocinou sobre o chamado “belo horrível”? É pena. O belo horrível é uma escapatória criada pela dimensão de certos filósofos para justificar a atração exercida, em todos os tempos, pelo feio sobre os artistas. Não me venham dizer que o artista, reproduzindo o feio, o horrível, faz obra bela. Chamar de belo o que é feio, horrível, só porque está expressado com grandeza, comoção, arte, é desvirtuar ou desconhecer o conceito da beleza. Mas feio = pecado... Atrai. Anita Malfatti falava-me outro dia no encanto sempre novo do feio. Ora Anita Malfatti ainda não leu Emílio Bayard: “O fim lógico de um quadro é ser agradável de ver. Todavia comprazem-se os artistas em exprimir o singular encanto da feiúra. O artista sublima tudo”.
31. O impulso clama dentro de nós como turba enfurecida. Seria engraçadíssimo que a esta se dissesse:
“Alto lá! Cada qual por sua vez: e quem tiver o argumento mais forte, guarde-o para o fim!” A turba é confusão aparente. Quem souber afastar-se idealmente dela, verá o imponente desenvolver-se dessa alma coletiva, falando a retórica exata das reivindicações.
34. A língua brasileira é das mais ricas e sonoras. E possui o admirabilíssimo “ão”.
55. O passado é lição para se meditar, não para reproduzir.
“E tu che sé costí, anima viva,
Partiti da cotesti che son morti”.
63. Está acabada a escola poética. “Desvairismo”.
64. Próximo livro fundarei outra.
65. E não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos para a vaidade dum só.
66. Poderia ter citado Gorch Fock. Evitava o Prefácio Interessantíssimo. “Toda canção de liberdade vem do cárcere”.
Mário de Andrade
trechos in Paulicéia Desvairada
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