domingo, novembro 29, 2009

A Ovelha Negra

Em um país distante existiu faz muitos anos uma Ovelha Negra.

Foi fuzilada.

Um século depois, o rebanho arrependido lhe levantou uma estátua eqüestre que ficou muito bem no parque.

Assim, sucessivamente, cada vez que apareciam ovelhas negras eram rapidamente passadas pelas armas para que as futuras gerações de ovelhas comuns e vulgares pudessem se exercitar também na escultura.

Augusto Monterrosso
in: A Ovelha Negra e outras fábulas
Editora Record

domingo, novembro 01, 2009

crepúsculo

Anoitece

com a escuridão se desfazem das trevas diárias

um tom azul escuro preenche as faltas

delinea as curvas existenciais de um poeta sem inspiração

com a noite envolvendo o mundo

até dor de barriga vira tema de poesia

abstrata

ainda que seja

e o pobre poeta sem talento

refastela-se da sua solidão:

coitados dos que 

vivem sem ter com quem contar

e, mais ainda,

coitados daqueles que,

como eu,

nada têm a contar.

Rápida despedida

Olá.


O dia chuvoso, o frio e uma terrível dor de cabeça me fizeram começar esta carta. E agora que comecei, vamos até o fim.


Como você tem passado? 

Nao, não responda.

Na verdade realmente não me importa.

Como você tem passado não motivou a carta, ou os pensamentos. ou a dor de cabeça.


Te escrevo simplesmente para dar adeus. 

Adeus por quê?, você poderia bem perguntar. 

Nos sentamos ali outro dia, tomamos um café. Depois outro.

Falamos. Você me trouxe em casa.

Eu agradeci sorrindo. Combinamos de nos ver outra vez qualquer hora.

E eu, de repente,  escrevo dando adeus.


Pois é por isso mesmo.

Enquanto tomávamos o café e quando pedimos outro. E quando nos levantamos e eu me ofereci a carona. E quando nos despedimos apressadamente. Em nenhum desses momentos você notou nada de errado. Nada de estranho. E é por isso mesmo que agora te escrevo essa carta de adeus.


Não há motivo melhor para deixar de falar com alguém do que o siléncio que já exista. Entre nós não há mais palavras. Não há mais supresas. Há apenas eu e você, sentada do outro lado da mesa. Há dois ou quatro cafés tomados ainda quentes. Tomados apressadamente. Há o levantar da cadeira, o abrir cada uma um guarda-chuva e o adeus.


Em cada história de cada pessoa há sempre outras pessoas. 

As pessoas, como o tempo, passam. As pessoas ocupam nosso tempo. Pessoas que passam não devem ter mais tempo. Nosso. A gastar.


Por isso, sem nenhum motivo maior, estou escrevendo para dizer que o tempo pra nós acabou. 


Não me escreva nem releia esta carta. 

Ela pertence ao passado.

O passado não existe.

Nem eu. Nem você.

Mantra

O escritor escreve, simplesmente.

Repetiu o mantra três vezes.

Mas o branco do papel e a tinta negra nunca ajudam em nada.

O dinossauro

Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.



De: Augusto Monterroso

http://www.ciudadseva.com/textos/cuentos/esp/monte/am.htm


A MENINA E A CAJAZEIRA

Arguém diz que o mundo presta,

Grit mêrmo em arto som,

Mas é tolo e nada sabe

Quem diz que este mundo é bom.

Como é que ele tem bondade

Se a nossa felicidade

Voa como o pensamento,

E da praça inté o campo

O gozo é cumo relampo,

Que abre e fecha num momento?


Dêrne do premêro dia

Que Adão mais Eva pecou,

A rosa criou espinho,

Tudo se desmantelou.

E Deus, vendo que a desgraça

De Adão, o chefe da raça,

Percisava sê comum,

Depressa sentenciou,

E uma parcela de dô

Reservou pra cada um.


Inté as arve do campo,

Que não ofende a ninguém,

Herdou aquela miséra,

Tem suas máguas tombém.

Muntas vêz, um pau bonito

Que os gáio vai no infinito

Parece alegre e feliz,

Mas quando o ráio lhe acerta,

Sapeca todo e concerta

Da copa inté a raiz.


Que curpa tem esse pau,

Promode o raivoso ráio

Lhe queimá de meio a meio,

Lascando gáio por gáio?

Se o pobre é um inocente

E o corisco, de repente,

Faz a maió anarquia,

Tá quage certo e provado

Que tudo vem do pecado

De adão, o pai de famia.


Tudo quanto a terra cria

Tem que passá sofrimento,

Tem seus momento de gôzo

E os seus ano de tromento.

As pobre arve, coitada,

Sem a ninguém devê nada

Sofre martiro e cansêra.

Cumo prova eu conto agora

A triste e penosa histora

Da menina e a cajazêra.


Num sito munto distante,

Na bêra de uma lagoa,

Morava um casá fié,

Uma gente muito boa.

Tinha uma linda criança,

Rizonha cumo a esperança,

Era linda e prazentêra.

E brincava todo o dia

Na sombra fresca e sadia

De uma bela cajazêra.


Bem juntinho de casa

A cajazêra nasceu,

Linhêra, iguá uma frecha,

No rumo do céu cresceu.

Era franzina, dergada,

Mas a copa arredondada

Não podia havê maió.

Quem reparava, dizia

Que a mêrma só parecia

Um grande chapé de só.


Entounce a linda criança,

Aquela boa menina,

Era o prazê e era a paz

Da cajazêra franzina.

Naquela sombra vevia,

Durante as horas do dia

Não se afastava dali,

Sempre contente, brincando,

Cheia de vida, zelando

Os seus brinquedos infantí.


Aquela copa vistosa

Pra inocente criança

Era um céu, um paraíso

Verde, da cô da esperança.

As ave fazia festa,

Tinha graça a doce orquesta

Daqueles musgo de pena,

Com seus requebrado canto,

Lovando o riso e o encanto

Daquela santa pequena.


Se o vento vinha de longe,

Todo amoroso, brincá,

Encrespando na lagoa,

As água cô de cristá,

Na cajazêra chegando

Era tão macio e brando

Cumo quem faz a escóia

De um amô e de um carinho,

Soprando devagarinho

Mode não derrubá fôia.


Tudo quanto era bondade,

Paz, inocença e beleza,

Vinha ali fazê morada

E de toda essa riqueza

A menina era a rainha,

Dava a entendê que Deus tinha

Pra o nosso mundo de increu,

Em favô daquele sito,

Mandado lá do infinito

Um pedacinho do céu.


Se em cima, na verde copa,

A passarada cantava,

Em baxo, na fresca sombra,

A criançinha brincava.

Aquela arve tão amiga,

Caridosa, sem fadiga,

De tudo era a potreção.

Sua copa arredondada

Vivia sempre enfoiada,

Que fosse inverno ou verão.


Mas a nossa curta vida,

Quando começa a sê bela,

O vento da negra sorte

Dá um sopro e desmantela.

Se o sito era um paraíso

De sossego, paz e riso,

Se aquela doce união

Foi grande felicidade,

Maió foi a crueldade,

E a dô da separação.


A amiga da cajazêra,

Tão nova, tão pequenina,

Perdeu ali um tesoro,

Pois a mão da triste sina

Robou-lhe a felicidade,

E umas água de orfandade

Dos óio dela caiu.

Quem era tão prazentêra,

Da querida cajazêra

Chorando se despediu.


Foi se embora soluçando

Aquela criança boa,

Dêxando luto e tristeza

La na bêra da lagoa.

E a cajazêra copada

Vendo a sua camarada

Da sombra se retirá

Levando o pranto no rosto,

De tanto sofrê desgosto

Nunca mais botou cajá.


Sentindo a sombra vazia,

Aquela pobre infeliz

Foi ficando deferente,

Acabrunhando as raiz,

E com a macha dos ano

E o choque dos desengano

Que o mau destino lhe deu,

A cajazêra franzina,

Com sodade da menina

Murchou a copa e morreu.


Morreu a pobre, sem curpa,

Sem devê nada a ninguém.

Inté as arve do campo

Tem suas mágoas tombém.

Ficou entonce a memora

Do dia e da crué hora

Daquele amargoso adeus,

Seca, no sito deserto.

Com os seus braços aberto,

Pedindo o socorro a Deus.


Quem lhe tinha conhecido

Na doce felicidade,

Vendo o seu grande abandono

Chorava de piedade,

Pois aquela cajazêra,

Bonita, alegre e linhêra,

Tava um pau véio, cacundo,

De gaio tingido e preto,

Parecendo um esqueleto

Chorando as dô desse mundo.


No gáio, onde os passarinho

Grogeava de manhã,

Ficou cantando somente

A feia e triste coã.

E de noite o vento afoito,

Roncando e lhe dando açoito,

Formava uma entoação

De causá medonho espanto,

Acompanhada do canto

Do agourento corujão.


E pra ficá bem provado

Que tudo o que a terra cria

Tem seus momento de gôzo

E os seus anos de agonia,

Ela foi, de pôco a pôco,

Banindo e criando oco,

Num desmante-lo sem fim,

E sujeita aos bichos mau:

O besôro serra-pau,

A broca, a traça e o cupim.


Tudo sofre, tudo pena,

A vida é pesada cruz,

Ninguém se julgue feliz,

Que aquilo que agora é luz

Mais tarde pode sê treva.

A curpa de Adão mais Eva

Se espaiou na terra intêra.

Tudo ali tornou-se em ruína,

Com a farta da menina

E a morte da cajazêra.


Inté a prope lagoa

Perdeu a quilaridade,

Criou nas águas uma sombra

Roxa, da cô da sodade.

Tudo nesse mundo passa,

O sito perdeu a graça,

Daquele sonho de amô

Hoje ali já nada existe,

Apenas o choro triste

Da rola fogo-pagou.


PATATIVA DO ASSARÉ
In: inspiração nordestina
Editora hedra, páginas 115 a 122