domingo, novembro 01, 2009

A MENINA E A CAJAZEIRA

Arguém diz que o mundo presta,

Grit mêrmo em arto som,

Mas é tolo e nada sabe

Quem diz que este mundo é bom.

Como é que ele tem bondade

Se a nossa felicidade

Voa como o pensamento,

E da praça inté o campo

O gozo é cumo relampo,

Que abre e fecha num momento?


Dêrne do premêro dia

Que Adão mais Eva pecou,

A rosa criou espinho,

Tudo se desmantelou.

E Deus, vendo que a desgraça

De Adão, o chefe da raça,

Percisava sê comum,

Depressa sentenciou,

E uma parcela de dô

Reservou pra cada um.


Inté as arve do campo,

Que não ofende a ninguém,

Herdou aquela miséra,

Tem suas máguas tombém.

Muntas vêz, um pau bonito

Que os gáio vai no infinito

Parece alegre e feliz,

Mas quando o ráio lhe acerta,

Sapeca todo e concerta

Da copa inté a raiz.


Que curpa tem esse pau,

Promode o raivoso ráio

Lhe queimá de meio a meio,

Lascando gáio por gáio?

Se o pobre é um inocente

E o corisco, de repente,

Faz a maió anarquia,

Tá quage certo e provado

Que tudo vem do pecado

De adão, o pai de famia.


Tudo quanto a terra cria

Tem que passá sofrimento,

Tem seus momento de gôzo

E os seus ano de tromento.

As pobre arve, coitada,

Sem a ninguém devê nada

Sofre martiro e cansêra.

Cumo prova eu conto agora

A triste e penosa histora

Da menina e a cajazêra.


Num sito munto distante,

Na bêra de uma lagoa,

Morava um casá fié,

Uma gente muito boa.

Tinha uma linda criança,

Rizonha cumo a esperança,

Era linda e prazentêra.

E brincava todo o dia

Na sombra fresca e sadia

De uma bela cajazêra.


Bem juntinho de casa

A cajazêra nasceu,

Linhêra, iguá uma frecha,

No rumo do céu cresceu.

Era franzina, dergada,

Mas a copa arredondada

Não podia havê maió.

Quem reparava, dizia

Que a mêrma só parecia

Um grande chapé de só.


Entounce a linda criança,

Aquela boa menina,

Era o prazê e era a paz

Da cajazêra franzina.

Naquela sombra vevia,

Durante as horas do dia

Não se afastava dali,

Sempre contente, brincando,

Cheia de vida, zelando

Os seus brinquedos infantí.


Aquela copa vistosa

Pra inocente criança

Era um céu, um paraíso

Verde, da cô da esperança.

As ave fazia festa,

Tinha graça a doce orquesta

Daqueles musgo de pena,

Com seus requebrado canto,

Lovando o riso e o encanto

Daquela santa pequena.


Se o vento vinha de longe,

Todo amoroso, brincá,

Encrespando na lagoa,

As água cô de cristá,

Na cajazêra chegando

Era tão macio e brando

Cumo quem faz a escóia

De um amô e de um carinho,

Soprando devagarinho

Mode não derrubá fôia.


Tudo quanto era bondade,

Paz, inocença e beleza,

Vinha ali fazê morada

E de toda essa riqueza

A menina era a rainha,

Dava a entendê que Deus tinha

Pra o nosso mundo de increu,

Em favô daquele sito,

Mandado lá do infinito

Um pedacinho do céu.


Se em cima, na verde copa,

A passarada cantava,

Em baxo, na fresca sombra,

A criançinha brincava.

Aquela arve tão amiga,

Caridosa, sem fadiga,

De tudo era a potreção.

Sua copa arredondada

Vivia sempre enfoiada,

Que fosse inverno ou verão.


Mas a nossa curta vida,

Quando começa a sê bela,

O vento da negra sorte

Dá um sopro e desmantela.

Se o sito era um paraíso

De sossego, paz e riso,

Se aquela doce união

Foi grande felicidade,

Maió foi a crueldade,

E a dô da separação.


A amiga da cajazêra,

Tão nova, tão pequenina,

Perdeu ali um tesoro,

Pois a mão da triste sina

Robou-lhe a felicidade,

E umas água de orfandade

Dos óio dela caiu.

Quem era tão prazentêra,

Da querida cajazêra

Chorando se despediu.


Foi se embora soluçando

Aquela criança boa,

Dêxando luto e tristeza

La na bêra da lagoa.

E a cajazêra copada

Vendo a sua camarada

Da sombra se retirá

Levando o pranto no rosto,

De tanto sofrê desgosto

Nunca mais botou cajá.


Sentindo a sombra vazia,

Aquela pobre infeliz

Foi ficando deferente,

Acabrunhando as raiz,

E com a macha dos ano

E o choque dos desengano

Que o mau destino lhe deu,

A cajazêra franzina,

Com sodade da menina

Murchou a copa e morreu.


Morreu a pobre, sem curpa,

Sem devê nada a ninguém.

Inté as arve do campo

Tem suas mágoas tombém.

Ficou entonce a memora

Do dia e da crué hora

Daquele amargoso adeus,

Seca, no sito deserto.

Com os seus braços aberto,

Pedindo o socorro a Deus.


Quem lhe tinha conhecido

Na doce felicidade,

Vendo o seu grande abandono

Chorava de piedade,

Pois aquela cajazêra,

Bonita, alegre e linhêra,

Tava um pau véio, cacundo,

De gaio tingido e preto,

Parecendo um esqueleto

Chorando as dô desse mundo.


No gáio, onde os passarinho

Grogeava de manhã,

Ficou cantando somente

A feia e triste coã.

E de noite o vento afoito,

Roncando e lhe dando açoito,

Formava uma entoação

De causá medonho espanto,

Acompanhada do canto

Do agourento corujão.


E pra ficá bem provado

Que tudo o que a terra cria

Tem seus momento de gôzo

E os seus anos de agonia,

Ela foi, de pôco a pôco,

Banindo e criando oco,

Num desmante-lo sem fim,

E sujeita aos bichos mau:

O besôro serra-pau,

A broca, a traça e o cupim.


Tudo sofre, tudo pena,

A vida é pesada cruz,

Ninguém se julgue feliz,

Que aquilo que agora é luz

Mais tarde pode sê treva.

A curpa de Adão mais Eva

Se espaiou na terra intêra.

Tudo ali tornou-se em ruína,

Com a farta da menina

E a morte da cajazêra.


Inté a prope lagoa

Perdeu a quilaridade,

Criou nas águas uma sombra

Roxa, da cô da sodade.

Tudo nesse mundo passa,

O sito perdeu a graça,

Daquele sonho de amô

Hoje ali já nada existe,

Apenas o choro triste

Da rola fogo-pagou.


PATATIVA DO ASSARÉ
In: inspiração nordestina
Editora hedra, páginas 115 a 122

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