Arguém diz que o mundo presta,
Grit mêrmo em arto som,
Mas é tolo e nada sabe
Quem diz que este mundo é bom.
Como é que ele tem bondade
Se a nossa felicidade
Voa como o pensamento,
E da praça inté o campo
O gozo é cumo relampo,
Que abre e fecha num momento?
Dêrne do premêro dia
Que Adão mais Eva pecou,
A rosa criou espinho,
Tudo se desmantelou.
E Deus, vendo que a desgraça
De Adão, o chefe da raça,
Percisava sê comum,
Depressa sentenciou,
E uma parcela de dô
Reservou pra cada um.
Inté as arve do campo,
Que não ofende a ninguém,
Herdou aquela miséra,
Tem suas máguas tombém.
Muntas vêz, um pau bonito
Que os gáio vai no infinito
Parece alegre e feliz,
Mas quando o ráio lhe acerta,
Sapeca todo e concerta
Da copa inté a raiz.
Que curpa tem esse pau,
Promode o raivoso ráio
Lhe queimá de meio a meio,
Lascando gáio por gáio?
Se o pobre é um inocente
E o corisco, de repente,
Faz a maió anarquia,
Tá quage certo e provado
Que tudo vem do pecado
De adão, o pai de famia.
Tudo quanto a terra cria
Tem que passá sofrimento,
Tem seus momento de gôzo
E os seus ano de tromento.
As pobre arve, coitada,
Sem a ninguém devê nada
Sofre martiro e cansêra.
Cumo prova eu conto agora
A triste e penosa histora
Da menina e a cajazêra.
Num sito munto distante,
Na bêra de uma lagoa,
Morava um casá fié,
Uma gente muito boa.
Tinha uma linda criança,
Rizonha cumo a esperança,
Era linda e prazentêra.
E brincava todo o dia
Na sombra fresca e sadia
De uma bela cajazêra.
Bem juntinho de casa
A cajazêra nasceu,
Linhêra, iguá uma frecha,
No rumo do céu cresceu.
Era franzina, dergada,
Mas a copa arredondada
Não podia havê maió.
Quem reparava, dizia
Que a mêrma só parecia
Um grande chapé de só.
Entounce a linda criança,
Aquela boa menina,
Era o prazê e era a paz
Da cajazêra franzina.
Naquela sombra vevia,
Durante as horas do dia
Não se afastava dali,
Sempre contente, brincando,
Cheia de vida, zelando
Os seus brinquedos infantí.
Aquela copa vistosa
Pra inocente criança
Era um céu, um paraíso
Verde, da cô da esperança.
As ave fazia festa,
Tinha graça a doce orquesta
Daqueles musgo de pena,
Com seus requebrado canto,
Lovando o riso e o encanto
Daquela santa pequena.
Se o vento vinha de longe,
Todo amoroso, brincá,
Encrespando na lagoa,
As água cô de cristá,
Na cajazêra chegando
Era tão macio e brando
Cumo quem faz a escóia
De um amô e de um carinho,
Soprando devagarinho
Mode não derrubá fôia.
Tudo quanto era bondade,
Paz, inocença e beleza,
Vinha ali fazê morada
E de toda essa riqueza
A menina era a rainha,
Dava a entendê que Deus tinha
Pra o nosso mundo de increu,
Em favô daquele sito,
Mandado lá do infinito
Um pedacinho do céu.
Se em cima, na verde copa,
A passarada cantava,
Em baxo, na fresca sombra,
A criançinha brincava.
Aquela arve tão amiga,
Caridosa, sem fadiga,
De tudo era a potreção.
Sua copa arredondada
Vivia sempre enfoiada,
Que fosse inverno ou verão.
Mas a nossa curta vida,
Quando começa a sê bela,
O vento da negra sorte
Dá um sopro e desmantela.
Se o sito era um paraíso
De sossego, paz e riso,
Se aquela doce união
Foi grande felicidade,
Maió foi a crueldade,
E a dô da separação.
A amiga da cajazêra,
Tão nova, tão pequenina,
Perdeu ali um tesoro,
Pois a mão da triste sina
Robou-lhe a felicidade,
E umas água de orfandade
Dos óio dela caiu.
Quem era tão prazentêra,
Da querida cajazêra
Chorando se despediu.
Foi se embora soluçando
Aquela criança boa,
Dêxando luto e tristeza
La na bêra da lagoa.
E a cajazêra copada
Vendo a sua camarada
Da sombra se retirá
Levando o pranto no rosto,
De tanto sofrê desgosto
Nunca mais botou cajá.
Sentindo a sombra vazia,
Aquela pobre infeliz
Foi ficando deferente,
Acabrunhando as raiz,
E com a macha dos ano
E o choque dos desengano
Que o mau destino lhe deu,
A cajazêra franzina,
Com sodade da menina
Murchou a copa e morreu.
Morreu a pobre, sem curpa,
Sem devê nada a ninguém.
Inté as arve do campo
Tem suas mágoas tombém.
Ficou entonce a memora
Do dia e da crué hora
Daquele amargoso adeus,
Seca, no sito deserto.
Com os seus braços aberto,
Pedindo o socorro a Deus.
Quem lhe tinha conhecido
Na doce felicidade,
Vendo o seu grande abandono
Chorava de piedade,
Pois aquela cajazêra,
Bonita, alegre e linhêra,
Tava um pau véio, cacundo,
De gaio tingido e preto,
Parecendo um esqueleto
Chorando as dô desse mundo.
No gáio, onde os passarinho
Grogeava de manhã,
Ficou cantando somente
A feia e triste coã.
E de noite o vento afoito,
Roncando e lhe dando açoito,
Formava uma entoação
De causá medonho espanto,
Acompanhada do canto
Do agourento corujão.
E pra ficá bem provado
Que tudo o que a terra cria
Tem seus momento de gôzo
E os seus anos de agonia,
Ela foi, de pôco a pôco,
Banindo e criando oco,
Num desmante-lo sem fim,
E sujeita aos bichos mau:
O besôro serra-pau,
A broca, a traça e o cupim.
Tudo sofre, tudo pena,
A vida é pesada cruz,
Ninguém se julgue feliz,
Que aquilo que agora é luz
Mais tarde pode sê treva.
A curpa de Adão mais Eva
Se espaiou na terra intêra.
Tudo ali tornou-se em ruína,
Com a farta da menina
E a morte da cajazêra.
Inté a prope lagoa
Perdeu a quilaridade,
Criou nas águas uma sombra
Roxa, da cô da sodade.
Tudo nesse mundo passa,
O sito perdeu a graça,
Daquele sonho de amô
Hoje ali já nada existe,
Apenas o choro triste
Da rola fogo-pagou.
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