quarta-feira, junho 25, 2008

A MÁQUINA DO TEMPO

Cap. 11

- Eu já lhes falei do enjôo e da confusão que vêm com uma viagem no tempo. E desta vez eu não estava sentado adequadamente, mas meio de lado. Por um tempo indefinido fiquei agarrado na máquina enquanto ela balançava e vibrava, sem se preocupar com minhas condições, e quando consegui olhar nos mostruários fiquei satisfeito de novo em saber aonde tinha chegado. Um mostruário registra os dias, outro os milhares de dias, outro os milhões de dias, e outro os milhares de milhões. Agora, em vez de reverter as alavancas, eu as empurrei de modo que fui para a frente com elas, e quando pude olhar os ponteiros vi que o do milhares de anos ia tão rápido quanto o de segundos de um relógio – em direção ao futuro.

- À medida que me deslocava, houve uma mudança peculiar na maneira das coisas. O cinza piscante foi escurecendo – ainda que eu estivesse viajando a uma velocidade prodigiosa; a sucessão de dias e noites, que usualmente indicava um andar mais lento, retornou e foi ficando mais e mais cadenciada. Isso me intrigou muito no começo. As alternâncias entre dia e noite ficaram mais e mais lentas, e o mesmo acontecia com a passagem do sol através do céu, até que ambos os deslocamentos pareceram se estender por séculos. Ao final um crepúsculo constante só foi interrompido aqui e ali por um cometa que passava. A faixa de luz que havia indicado a trajetória do sol tinha desaparecido há muito: pois o sol parou de se pôr – simplesmente subia e descia a oeste, e ficava cada vez maior e mais vermelho. Não havia qualquer vestígio da lua. O brilho ao redor das estrelas, diminuindo mais e mais, havia dado lugar a pontos de luz que se arrastavam. Por fim, pouco antes de eu parar, o sol, vermelho e muito grande, ficou imóvel no horizonte, como uma enorme cúpula que emitia calor constante, e de vez em quando sofria uma extinção momentânea. Por um tempo ele brilhou forte de novo, mas logo voltou ao calor obstinado. percebi por essa gradual diminuição da velocidade de sua trajetória que a varredura dos mares cessara. A Terra havia vindo descansar com uma face voltada ao sol, como em nosso tempo a lua volta sua face à Terra. Muito cuidadosamente, pois me lembrava de ter virado de ponta-cabeça da outra vez, comecei a reverter meu movimento. Mais e mais devagar os ponteiros foram ficando até que o dos milhares pareceu imóvel e o dos dias não era mais que uma névoa em seu mostruário. Mas de vagar ainda até que os turvos contornos de uma praia desabitada se mostraram.

- Parei muito suavemente e me sentei na Máquina do tempo para olhar ao redor. O céu já não era azul. A nordeste ele estava preto retinto, e em meio à escuridão brilhavam estáveis as pálidas estrelas brancas. No alto o céu estava vermelho forte e sem estrelas, e a sudeste estava mais para um escarlate diáfano no qual, cortado pelo horizonte, estava a grande cúpula do sol, vermelho e imóvel. As pedras ao meu redor estavam coloridas por um vermelho tosco, e todo o indício de vida que pude ver a princípio foi a vegetação intensamente verde que cobria qualquer ponto a sudoeste. Era o mesmo verde suntuoso que se vê no musgo de floresta ou no líquen das cavernas: plantas que crescem sob a luz de um perpétuo crepúsculo.

- A máquina estava numa praia inclinada. O mar se estendia a sudoeste e dava num horizonte bastante luminoso em contraste com o céu pálido. Não havia arrebentação ou ondas, pois não havia nem um sopro de vento. Apenas uma longa vaga surgia e sumia como um suspiro, mostrando que o eterno mar ainda vivia e se movia. E ao longo das margens onde o mar às vezes quebrava havia uma concentração de sal – um sal rosa, sob aquele lívido céu. Havia uma sensação de opressão sobre minha cabeça, e eu reparei que estava respirando muito rapidamente. A sensação me lembrou a que eu tive na minha única experiência de alpinismo, e por isso julguei que o ar ali era mais rarefeito.

- Muito acima da praia ouvi um grito áspero, e vi algo como uma enorme borboleta branca voando para o alto e para baixo e, fazendo círculos, desapareceu atrás de alguns montes. O som de sua voz era tão sinistro que senti um arrepio e me sentei mais firmemente na máquina. Olhando ao meu redor de novo, vi que, bem perto de mim, o que eu havia tomado por uma rocha avermelhada estava se movendo lentamente em minha direção. Então vi que aquilo era uma criatura monstruosa semelhante a um caranguejo. Vocês podem imaginar um caranguejo do tamanho de uma mesa, com as patas se movendo lenta e incertamente, as grandes garras balançando, as longas antenas mexendo como chicotes, e seus antolhos olhando para vocês pelos dois lados de uma fronte que parecia de metal? Suas costas eram enrugadas e ornamentadas com protuberâncias esquisitas e pústulas verdes aqui e ali. Eu podia ver os diversos palpos de sua complexa boba tremulando enquanto se movia.

- Enquanto eu via essa aparição sombria lentamente vir em minha direção, senti uma cócega em minha bochecha como se uma mosca tivesse pousado ali. Tentei tirá-la com a mão, mas ela logo voltou, e quase imediatamente veio outra na minha orelha. Bati nesta e peguei uma espécie de fio. Ele logo escapou da minha mão. Com medo e novo virei-me e vi que havia pego a antena de outro caranguejo-monstro que estava logo atrás de mim. Seus olhos terríveis balançavam em seus pendúnculos, sua boca parecia estar com o apetite animado, e suas garras, sujas de limo, estavam descendo em minha direção. Imediatamente pus a mão na alavanca e programei ficar a um Mês de distancia dos monstros. Mas continuei na mesma praia e os vi tão logo parei. Dezenas deles pareciam se mover aqui e ali, na luz sombria, entre as lâminas folheadas de verde intenso.

- Não posso comunicar a sensação de abominável desolação que pairava sobre o mundo. O céu vermelho a leste, preto a nordeste, o salgado Mar Morto, a praia rochosa em que rastejavam esses monstros sujos, o verde que parecia venenoso dos liquens, o ar rarefeito que fazia doer os pulmões: tudo contribuía para um efeito assustador. Movi-me cem anos, e havia o mesmo sol vermelho – um pouco maior, um pouco mais parado -, o mesmo mar estático, o mesmo ar frio, o mesmo grupo de crustáceos rastejando no veludo verde e nas rochas vermelhas. E no céu a oeste vi uma linha curva e pálida como a de uma grande lua nova.

- Assim fui viajando, parando de vez em quando, em grandes saltos de mil anos ou mais, atraído pelo mistério do destino terrestre, observando com estranho fascínio o sol ficar maior e mais constante no céu a oeste, e a vida da antiga Terra se esgotando. Ao final de mais de 30 milhões de anos daqui, a grande cúpula vermelha e quente do sol havia encoberto quase um décimo do escurecido céu. Então parei mais uma vez, pois a multidão de caranguejos havia desaparecido, e a praia vermelha, exceto pelo verde pálido de seus liquens, parecia estar sem vida. E agora estava salpicada de branco. Uma fria amargura me saltou. Raros flocos brancos caíam de vez em quando. A nordeste, a luminosidade da neve ficava abaixo do escuro do céu e eu podia ver uma corrente de colinas róseo-esbranquiçadas. Havia contornos de gelo ao longo das margens do mar, com banquisas de gelo mais para dentro; mas a maior área daquele oceano, toda vermelho-sangue por causa do eterno sol, ainda não estava congelada.

- Olhei ao redor para ver se ainda restava algum sinal de vida animal. Uma certa apreensão ainda me mantinha preso ao assento da máquina. Mas não vi nada se movendo, na terra, no céu ou no mar. Só o limbo verde nas rochas testemunhava que a vida não estava extinta. Um pequeno banco de areia havia aparecido no mar e a água ocupava menos a praia. Imaginei ter visto algum objeto preto balançando sobre esse banco, mas ele ficou imóvel enquanto eu o olhava, e julguei que o meu olho havia se enganado e que o objeto era simplesmente uma pedra. As estrelas do céu brilhavam intensamente e me pareceu que piscavam muito pouco.

- De repente eu percebi que o contorno oeste do sol havia mudado; que uma concavidade, uma baía, havia aparecido na sua curvatura. Vi-a crescer mais. Por um minuto, talvez, fitei espantado este negrume que avançava sobre o dia, e então compreendi que um eclipse estava começando. Ou a lua de Mercúrio estava passando frente ao sol. Naturalmente, pendei primeiro que fosse a lua, mas muita coisa me leva a acreditar que o que vi na realidade era um planeta passando perto da Terra.

- A escuridão aumento rapidamente; um vento frio começou a soprar refrescantes rajadas vidas do leste, e a chuva de flocos brancos aumentou em quantidade. Da beirada do mar meio um murmúrio e um sussurro. Afora esses sons sem vida, o mundo estava silencioso. Silencioso? Seria difícil descrever sua monotonia. Todos os sons humanos, o berro do carneiro, os gritos dos pássaros, o zunido dos insetos, os barulhos que compõe o pano de fundo de nossas vidas – tudo estava acabado. À medida que a escuridão se adensava, os flocos estava se tornando mais abundantes, dançando diante dos meus olhos; e o frio da atmosfera era mais intenso. Ao final, um a um, ligeiramente, um depois do outro, os picos brancos das colinas distantes ficaram pretos. A brisa tornou-se um vento lamentoso. Vi a sombra central do eclipse correndo em minha direção. Pouco depois apenas as pálidas estrelas permaneceram visíveis. Todo o resto estava em plena escuridão. O céu estava absolutamente preto.

- Um pavor dessa grande escuridão tomou conta de mim. O frio, que me atingia a espinha, e a dor que eu sentia para respirar me dominaram. Tremi e senti uma náusea fatal. Então, como um arco vermelho no céu, reapareceu um pouco do sol. Saí da máquina para poder me recuperar. Eu estava com tonturas e não me sentia capaz de fazer a viagem de volta. Enquanto estava lá, enjoado e confuso, vi de novo uma coisa se movendo no banco de areia – agora não havia dúvida de que ela se movia – sob a água vermelha do mar. Era redonda, talvez do tamanho de uma bola de futebol, ou, quem sabe, maior, e tentáculos nasciam debaixo dela; parecia preta em contraste com o agitado mar, e balançava a intervalos. Então senti que ia desmaiar. Mas o pavor de ficar deitado sob aquele remoto e terrível crepúsculo me sustentou enquanto subi de novo à máquina.


A MÁQUINA DO TEMPO
De H. G. Wells.
Editora: Nova Alexandria. 2001
Pgs 111 a 117

Um comentário:

wgoonie disse...

Oi, mocinha!
Saudades muitas tb!

Tenho ido pra Zona Sul, mas sempre de supetão, sem programação.
Acabei de falar com Tuninho, que tb espera minha visita.. mas ele é menos preguiçoso, ainda vem me ver de vez em quando.. não é como vc, que só vem quando neva... rsss
Mas não desistamos, somos fortes e nos adoramos, certo? :)
bjos!