quarta-feira, junho 25, 2008

perfume


para Neila

nem bem me viu
acusou
a pia anda entupida
foi mais ou menos assim
que deu-me bom dia
falou assim assim
como se não houvesse
segundas intenções
e virou-se de costas
foi-se embora para o quarto

outro dia foi a mesma coisa
a pia entupida
um problema qualquer no correio
ela me pergunta simplesmente
se tenho sugestões
para sua vida
e me pergunta sobre o marido
é pura provocação
sorri malignamente toda vez
é marida é marida
ela sabe
ela sabe
e reprova de maldade
com a mesma maldade que
não me diz
bom dia
com a exata alegria
com que se esconde no quarto

a maldade
ela sabe
é como um perfume
bom bom
odeio perfume
mesmo os bom bons
mesmo os que gosto
odeio perfume
e ela sabe
e ela usa
a maldade e o perfume
ela usa
a cada dia que não me dá
os bons dias e
sai para o quarto

no quarto se tranca
ou se tranca mais ou menos
espera agachada
sentada no assoalho
ouvidos à porta
espera por mim
me escuta os movimentos

eu passeio a casa
abro a janela
sento no sofá
faço um café
sujo a pia

obviamente
leio o jornal
dou duas ou três voltas pela sala
e enfim
invado o quarto
invado
rasgando as roupas
quebrando tudo
então saio
batendo a porta

e furiosa
já descendo a escada
com o cigarro arrombado nos dentes
com a alma molhada de rancores
e prazeres
escuto-a caminhar pela sala
a me chamar

a pia anda entupida
a pia anda entupida

Bárbara Nunes (junho2008)

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